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Pandemia aumenta interesse do produtor rural em comprar e vender on-line, aponta pesquisa

Produtor rural em Espumoso (RS), Nereu Cherini conta que chegou a ir a um concessionário quando planejava a compra de uma colheitadeira nova. Mas acabou fechando o negócio de uma forma que nunca tinha feito: comprou a máquina pela internet, através de uma plataforma própria do fabricante de quem é cliente.

A negociação foi feita entre maio e julho de 2020, conta o produtor. Por causa da pandemia de Covid-19, feiras agropecuárias estavam sendo suspensas, adiadas ou até canceladas. Mas ele viu vantagem na negociação online, já que conseguiu obter condições de compra semelhantes às vistas nos eventos.

A máquina já foi utilizada na colheita da safra atual. “Acabamos conhecendo essa nova plataforma de compra e obtivemos bons descontos para comprar. Foi a primeira vez que fiz isso. Mas, se houver outras oportunidades, vamos continuar fazendo”, garante Cherini.

Com a Covid-19 levando à adoção de medidas de distanciamento, as operações via internet ganharam mais força na agropecuária. O setor já vem passando por um processo de digitalização em diversos segmentos, com startups que praticamente colocam a propriedade dentro do celular do produtor. Mas especialistas e representantes do agro avaliam que a pandemia levou a uma aceleração desse processo, com o digital mais presente também nos negócios, no relacionamento entre fornecedores e clientes.

A pesquisa denominada A mente do agricultor brasileiro na era digital, feita pela consultoria McKinsey, apontou que 46% dos produtores consultados preferem canais digitais para a compra de seus insumos. Houve um avanço de 10 pontos percentuais em relação ao levantamento anterior.

Comparando com estudos semelhantes feitos na União Europeia e nos Estados Unidos, a adesão dos brasileiros foi maior. Entre os europeus, 22% dos participantes revelaram preferência pelos meios digitais. Entre os americanos, 31%. Nos dois casos, um avanço de sete pontos porcentuais em comparação com pesquisas anteriores.

“A pandemia acelerou uma tendência que já era estrutural, de digitalização das transações de compra de insumos e vendas de produtos”, ressalta o sócio sênior do escritório de São Paulo e líder da área de agronegócios da McKinsey, Nelson Ferreira. “Isso está muito ligado a um novo perfil de agricultor. Propriedades onde o tomador de decisão tem menos de 40, 45 anos estão mais abertas à digitalização”, acrescenta.

O estudo foi feito com 564 participantes de diversas culturas e faixas etárias. A amostragem incluiu propriedades rurais de diversos tamanhos e regiões do Brasil. Mapeou, entre outras coisas, o uso das ferramentas digitais em todo o processo de decisão: desde a pesquisa, passando pelo fechamento do negócio, até o suporte e possível recompra de insumos e maquinário.

Ferreira explica que havia uma percepção de que a internet serviria apenas para consulta de preços. A pesquisa revelou que o momento da cotação ainda é o de maior preferência pelas interações digitais. No entanto, os participantes demonstraram disposição de interagir dessa forma em outras fases do processo.

“Tudo o que não for um meio de interação física tem espaço para crescer”, diz Ferreira. “Não é que o agricultor dispense o relacionamento pessoal. Ele quer esse relacionamento, mas não pode mais ser exclusivamente físico”, acrescenta.

A pesquisa da McKinsey mostrou que o meio preferido de interação ainda é o WhatsApp, mencionado por 55% dos consultados. As plataformas agrícolas estão ganhando em representatividade, mas detêm apenas 6% da preferência.

“Se pensarmos em um vencedor, ainda é o Whatsapp, pela comodidade e facilidade, mas não existe um vencedor claro. Uma mensagem que aparece muito fortemente é o conceito da multicanalidade. As empresas têm que prover uma oferta com vários canais ao mesmo tempo”, destaca Ferreira.

Na John Deere, empresa da qual o produtor Nereu Cherini adquiriu sua colheitadeira, pelo menos 10% das vendas realizadas no Brasil no ano passado foram via internet, afirma o diretor de marketing para a América Latina, Cristiano Correia. Ele não detalha os números, mas garante que as expectativas traçadas para as vendas online de equipamentos da companhia foram superadas em mais de 200%.

“Certamente essa representatividade vai crescer”, diz ele, destacando que o agronegócio brasileiro tem mantido os resultados positivos, mesmo com a pandemia. “Cada vez mais, o produtor usa e quer consumir o online. Não acredito que vai ser só digital, mas também não acredito que vá voltar tudo presencial. Acredito em um modelo híbrido, com a possibilidade até de mais negócios”, avalia o executivo.

A empresa apostou suas fichas em uma plataforma própria, chamada de John Deere Conecta, lançada no ano passado. A ideia é combinar o ambiente real com o virtual, promovendo produtos e condições de aquisição e possibilitando a interação do cliente com o concessionário. A fabricante possui ainda 37 centros de soluções pelo Brasil, para dar suporte a consumidores e revendedores.

Cristiano Correia concorda que o conhecimento que os clientes já têm da marca favoreceu o fechamento de negócios pelos meios digitais. Mas a empresa também colocou à disposição, cumpridas as normas de saúde e segurança, a demonstração presencial do equipamento quando necessário, garante o executivo.

Em sua visão, ganhará mercado a empresa que conseguir adaptar melhor as ferramentas digitais ao relacionamento com os clientes, o que tem a ver com dois fatores: profundidade – responder a interações; e velocidade – dar a resposta no menor tempo possível.

“Nossos centros têm nos dado a capacidade de, em 85% dos casos de pós-venda, a gente conseguir resolver de modo remoto. Além de podermos ser mais rápidos e, em muitos casos, proativos, tem um custo menor”, exemplifica.

A pesquisa da McKinsey indicou que uma boa “experiência do cliente” foi a principal razão apontada pelos participantes na escolha de uma plataforma digital para compras. Para definir essa experiência, a consultoria considerou facilidade de encontrar produtos, gestão do relacionamento, atualização das informações e comunicação e assistência em tempo real.

“O que os agricultores estão pedindo é uma experiência de usuário de ponta a ponta. As empresas que não adaptarem a sua oferta a uma digitalização ponta a ponta, multicanalidade e a investir em uma experiência do usuário vão ter dificuldade de competir nesse mercado”, alerta Nelson Ferreira.

O estudo mostrou que os produtores também estão mais propensos a vender pela internet. Houve crescimento dessa intenção em todos os grupos pesquisados e proporções de produção que esses grupos estão dispostos a negociar no ambiente virtual.

“No geral, você tem uma adoção da digitalização na agricultura brasileira. Comparada a bancos, telecomunicações e varejo, ainda é menor, mas está crescendo muito rapidamente”, avalia o líder da área de agro da consultoria. “Consigo ver que, daqui a alguns anos, a continuar nesse ritmo, o setor do agronegócio brasileiro também vai estar na vanguarda da digitalização comparado a outros países”, acrescenta Ferreira.

Custo e conectividade
Todo esse movimento, no entanto, não deixa de ter seus gargalos, que limitam, especialmente, a utilização de tecnologias ligadas à agricultura de precisão, destaca Ferreira. Um deles é o custo do investimento em tecnologia, que está diminuindo, mas ainda é considerado elevado. Outro é a falta de conectividade no campo.

“Transações digitais, muitas vezes, são feitas da sede da fazenda, que tem acesso a celular. Tecnologia de precisão precisa de conectividade na lavoura, que ainda é baixa. Muitos agricultores mais jovens já consideram como parte do maquinário agrícola o investimento em torre de celular e telecomunicações”, afirma Ferreira.

De qualquer forma, o executivo da McKinsey acredita em um acesso cada vez mais amplo à digitalização. Pontua que esse movimento ainda é puxado pelos grandes produtores, com maior capacidade de investimento. Mas está ocorrendo também entre pequenos – ainda que em menor escala – por causa da pandemia e à medida que o negócio passa para alguém mais novo.

“O pequeno vai passar por isso porque o fator determinante é muito mais a idade do produtor do que o tamanho da propriedade. Muitos pequenos produtores estão se unindo via clubes de compra ou cooperativa”, pontua Ferreira. Para ele, as cooperativas têm um papel importante para viabilizar o acesso à tecnologia e também acelerar sua utilização.

No Rio Grande do Sul, uma iniciativa liderada pela Federação das Cooperativas Agropecuárias do Estado (Fecoagro) vai nesse sentido. Unindo 30 cooperativas agropecuárias, foi criada a plataforma SmartCoop, com a ideia de integrar em um só sistema a gestão e o manejo da fazenda, a comercialização da produção e as compras conjuntas de insumos por parte das entidades, conforme a demanda dos associados.

A ferramenta, colocada à disposição dos usuários em abril, levou dois anos para ser desenvolvida. Envolveu também a formação de um conselho gestor e a participação de técnicos das cooperativas. Incluiu missões de conhecimento sobre digitalização no sistema cooperativo, ecossistemas digitais e inovação no Vale do Silício, nos Estados Unidos, na Alemanha, e em Buenos Aires, na Argentina.

“Toda essa visão digital tem um crescimento exponencial. Mas uma cooperativa sozinha não conseguiria desenvolver nem ter escala para usar essa ferramenta. Como o objetivo é aumentar a competitividade, foi por meio da intercooperação”, explica Guillermo Dawson Junior, diretor superintendente da Cooperativa Central Gaúcha Limitada (CCGL) e coordenador do projeto.

Para os testes com a plataforma, foram selecionados 90 produtores. Tiago Sartori foi um deles. O agricultor de Pejuçara (RS) administra, com os irmãos, uma propriedade em que planta soja e milho no verão e trigo no inverno. Ele avalia que o SmartCoop, além de possibilitar processamento e análise mais eficientes das informações, viabiliza o acesso a uma tecnologia que, muitas vezes, é cara para o produtor.

“A área técnica, a digitalização da propriedade, vem em primeiro lugar. Faz uma diferença. E protagonizado pelas cooperativas, que dão suporte e credibilidade”, avalia o agricultor.

Investimento
Na comercialização, pelo aplicativo o usuário tem acesso aos seus saldos na cooperativa. E pode tomar a decisão de negócio optando por venda à vista, futura, gatilho de venda (operação associada a um preço-alvo) e barter (troca de produtos por insumos).

Já as compras coletivas serão operadas exclusivamente pelas cooperativas, com o objetivo de ganho de escala e obtenção de preços mais competitivos, explica Dawson Junior. O SmartCoop abrange uma rede de 173 mil produtores cooperados.

O presidente da Fecoagro, Paulo Pires, explica que a adesão das cooperativas ao projeto foi unânime. Segundo ele, foram investidos cerca de R$ 4,5 milhões em capacitação e na construção da plataforma. “Vamos deixar maturar o investimento com as cooperativas que já estão. Vão começar a aparecer necessidades de parcerias e vamos começar a agregar coisas novas”, explica.

Pires reconhece que o aumento do número de usuários deverá ser gradual e ocorrer de forma diferente em cada cooperativa. Mas, à medida que o produtor perceber a necessidade, vai utilizar.

“É claramente uma mensagem madura de que as cooperativas têm que acompanhar essa evolução”, diz. “Temos consciência de que temos um desafio pela frente, mas temos convicção de que traz benefícios competitivos ao produtor e para a sua cooperativa”, acrescenta.

Fonte: Globo Rural

Postado em 25 de maio de 2021

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