O Rio Grande do Norte aposta na sustentabilidade para retomar a produção de algodão, que outrora ajudou a alavancar a economia do Estado. Para 2022, as plantações do “ouro branco” devem atingir 500 hectares e beneficiar cerca de 380 famílias em 39 municípios potiguares, movimentando cerca de R$ 1 milhão. A ideia é incentivar o cultivo do algodão no âmbito da agricultura familiar, segundo Cesar Oliveira, diretor do Instituto de Assistência Técnica e Extensão Rural do Rio Grande do Norte (Emater-RN). A iniciativa faz parte do projeto Algodão Agroecológico Potiguar, lançado ontem (22) pelo Governo do Estado.
O novo “ouro branco” será agroecológico. O método consiste no cultivo de forma orgânica, com sementes naturais, livres de modificações genéticas e adubadas com compostos também orgânicos. Diferentemente do plantio arbóreo antigo, a técnica utiliza espaço maior entre as plantas, o que contribui para que as fazendas não sejam atacadas pelo besouro bicudo-do-algodoeiro. A praga dizimou inúmeros campos produtores em meados da década de 1980, até causar o declínio total da cultura algodoeira potiguar na década de 2000.
A expectativa do retorno é positiva entre os produtores. “Eu confio que esse projeto vai dar certo e que a comunidade vai se envolver. Já cheguei a trabalhar antigamente com o algodão, quando era criança para ajudar meus pais, não tinha muito conhecimento a respeito do plantio, mas da colheita eu tinha. Na época, a gente não tinha muita noção das coisas, mas agora é muito interessantes ações como essa para retomar a produção do algodão aqui”, comenta a agricultora Josefa Maria de Jesus, mais conhecida como Helena.
O secretário de Estado do Desenvolvimento Rural e da Agricultura Familiar (Sedraf), Alexandre Lima, explica que a retomada das plantações de algodão será baseada na produção da fibra integrada às culturas alimentares, ração animal e garantia de acesso ao mercado justo. O cultivo vai ocorrer por meio de plantio em consórcio e com diversificação de culturas alimentares, próprias dos sistemas agroalimentares do semiárido brasileiro.
“Vai representar uma forte fonte de renda para agricultura familiar. Hoje com o nível produtivo que tem no Centro-Sul do país, não dá para competir, então a gente está trabalhando em um novo nicho mercadológico, que é o algodão agroecológico. É uma tendência mundial, todas as grandes marcas do setor têm metas para substituir o algodão produzido porque a sociedade contemporânea pede um produto sustentável e nós apontamos nessa linha”, destaca Alexandre Lima.
O diretor da Emater-RN, Cesar Oliveira, diz que a retomada da produção também busca resgatar a memória afetiva do potiguar com o algodão. O produto, inclusive, aparece na bandeira do Rio Grande do Norte, ao lado de um coqueiro, uma carnaúba e uma cana-de-açúcar em alusão à flora do Estado. Há ainda um município potiguar chamado Ouro Branco, que foi assim batizado por causa da relevância da cotonicultura para a economia local no início do Século XX.
“O algodão tem toda uma simbologia para o Rio Grande do Norte, o potiguar tem uma memória afetiva. Nos anos 1940, 1950, até os anos 1980, o algodão tinha um papel fundamental para o estado. O que a gente está trabalhando agora é o resgate dessa cultura, olhando essa perspectiva da sustentabilidade e do meio ambiente. Quando a gente fala de mudanças climáticas, temos que estar atentos a isso e boa parte desse algodão estará no Seridó, nas áreas afetadas por esse processo de desertificação”, afirma Cesar Oliveira.
De acordo com o Governo do Estado, o programa Algodão Agroecológico também garante o escoamento da produção para as empresas. A venda do algodão, plantado e colhido nos campos de agricultura familiar, será intermediada por entidades parceiras, que farão o provimento de sacaria. Além do escoamento garantido, as famílias também entram no sistema agroalimentar para incentivo do cultivo de milho, feijão e gergelim.
“É o algodão como fonte de renda e a produção de alimentos para subsistência dessas famílias e do rebanho. É importante essa garantia de mercado para não fazer com que o governo apoie, incentive, fomente e no final não tenha quem comprar. Existem parcerias com diversas empresas, o Instituto Riachuelo está aí batendo na nossa porta querendo esse tipo de algodão e outras que atuam na fabricação de roupas, tecidos e tênis”, acrescenta Guilherme Saldanha, secretário de Estado da Agricultura, da Pecuária e da Pesca (Sape).
O acompanhamento técnico das áreas de cultivo e das famílias cadastradas no processo de produção é feito pela Emater e conta com o apoio das instituições Centro Terra Viva, Centro Feminista 8 de Março, Cooperativa Terra Livre e Associação de Apoio às Comunidades do Campo. As áreas de cultivo contarão ainda com o acompanhamento das secretarias municipais de agricultura, por meio de termos de parcerias e acordos de cooperação.
As famílias beneficiadas com a retomada do algodão estão nas regiões do Trairí (Jaçanã, São José de Campestre, Campo Redondo, Monte das Gameleiras, Tangará); Mossoró (Mossoró, Grossos, Baraúnas); Sertão Central (Pedro Avelino, Lajes, Fernando Pedroza); Seridó (Parelhas, Jardim do Seridó, Ouro Branco, Bodó, Cerro Corá, Currais Novos); Alto Oeste (Água Nova, Encanto, Rafael Fernandes, Pau dos Ferros, João Dias, Cel. João Pessoa, São Francisco do Oeste); Açu (São Rafael, Pendências, Assu, Itajá, Porto do Mangue); Sertão do Apodi (Campo Grande); Mato Grande (Pedra Grande, São Miguel do Gostoso, Touros, Jardim de Angicos, Parazinho); Potengi (Bom Jesus, Santa Maria, São Paulo do Potengi, Riachuelo).
Apogeu e declínio no RN
O pico de produção da fibra que abastece a indústria têxtil aconteceu entre as décadas de 1960 e 1980 no Rio Grande do Norte, quando cerca de 40% da arrecadação do imposto estadual era provenientes do algodão. As plantações chegaram a preencher 500 mil hectares em comunidades rurais. O cultivo nas lavouras algodoeiras remontam o período colonial, com a utilização de mão de obra escrava.
Foi assim entre os familiares dos agricultores Cecília Santos, Arnaldo da Costa e Francisco Santos, da comunidade quilombola Sítio Grossos, na cidade de Bom Jesus. Eles esperam retomar o plantio do algodão.
“De primeiro, antigamente, os pais da gente plantavam, mas depois pararam e a gente está aqui muito feliz que agora vamos voltar a plantar para resgatar essa cultura. Era uma tradição muito forte que parou por causa do bicudo”, diz Francisco.
Tribuna do Norte